Uma Quarta Bem Medida
A data
correta eu não saberia dizer, por volta de 1940 está de bom tamanho. O senhor
da história é conhecido na região das Antas por ser sério e sistemático,
restrito e rigoroso, justo, firme e honesto, e para alguns, orgulhoso e para
todos, correto ao extremo. Daqueles que impõe medo, respeito e admiração, tudo
ao mesmo tempo. Seu nome: Inácio Loiola Batista. Muitas histórias poderiam ilustrar suas
características acima, mas uma delas vem à tona como marcante do seu carácter e
posição.
Um de seus
vizinhos, Tibúrcio, sabendo da fartura e disponibilidade do seu Inácio, chega
à sua fazenda num final de tarde em busca de uma quarta de polvilho. Apeia do
cavalo e se aproxima da porta do casarão. Seu Inácio sentado no velho banco de
madeira só observa, ele não diria uma palavra até o cavaleiro descer do cavalo,
tirar seu chapéu e lhe dirigir um cumprimento. Não haviam crianças correndo ou
gritando ao seu redor, nem cachorro latindo em volta da casa. Ali reinava sua
tranquilidade. O sabiá cantava na jabuticabeira e o joão-de-barro pegava seu
material na lama do curral do lado. Com isso ele não interferia, faziam parte
de sua rotina.
- Taarde!
Diz Tibúrcio com voz baixa e segurando o chapéu de palha com ambas as mãos.
- Boa
tarde! Retruca seu Inácio, - vamos acabar de chegar. Seu Inácio não era de
ficar de conversa mole, de perguntar como vai a comadre, e coisa e tal. Seu
Tibúrcio sabia bem disso e foi logo ao assunto.
- Seu
Inácio, vim ver se o senhor pode me vender uma quarta de polvilho. Vamos rancar o mandiocal só depois da
enchente de São de José e a muié tá precisando de um polvilho bão em casa.
Podia-se
encontrar polvilho em várias fazendas da região naquela época, mas o polvilho
da fazenda do seu Inácio era conhecido. O polvilho era branco, fino e sempre
puro. Não haviam ciscos ou areia, era sempre da melhor qualidade. Os biscoitos
fritos cresciam como nenhum outro. Biscoitos assados, pipocas, quebradores ou pão
queijo, qual fosse a receita, o resultado seria sempre o melhor possível.
- Vamos entrar.
Vou mandar passar um café e já medimos seu polvilho. Sem mais conversa os dois
entraram na sala do casarão e logo veio o café. Quem não conhecia seu Inácio,
iria ficar imaginando como o café chegou tão rápido, assim que eles sentaram.
Mas ele era assim mesmo, exigente e esperava que tudo estivesse pronto quando
ele queria e sempre do seu jeito.
- Vamos até
o quarto de despejo. O senhor trouxe um
saco para levar o polvilho? Vai querer
só uma quarta hoje? Disse seu Inácio ao terminar o café e já caminhando para o
quarto de despejo.
O seu
Tibúrcio, lhe entrega um saco branco, daqueles de açúcar alvejados com muito
trabalho, e lhe diz.
- Seu
Inácio, a mulher mandou esse saco prá viagem.
Vou levar só uma quarta hoje, mas quero uma quarta “bem medida”.
Seu Inácio
logo pegou sua medida de quarta para medir o polvilho. A maioria das pessoas usava uma lata de tinta
ou óleo como medida de uma quarta ou vinte litros. O seu Inácio não, a quarta
que ele usava era própria para medida. Ela
era de latão batido, redonda e com alças de madeira para facilitar o manuseio.
Aquela quarta já tinha sinal dos anos e já tinha sido usada como medida por
muitos e muitos anos, provavelmente até em armazéns ou comércios da cidade.
Seu Inácio
não deu ouvido ao comentário de Tibúrcio, ele colocou a quarta na mesa de
madeira, pegou um saco de polvilho da pilha que estava mais próxima, abriu e
começou a encher o vasilhame antigo. Encheu até amontoar em cima e começar a
derramar. Claramente haviam uns 3 ou 4
litros a mais do que uma quarta teria.
Seu Tibúrcio observava do lado já pensando nos biscoitos a mais que sua
mulher faria com o “bônus” que ele estava levando.
Seu Inácio
termina de despejar o polvilho na quarta e diz:
- Alice,
traz a régua.
Sua filha
Alice entra rapidamente com uma régua de madeira, lhe entrega e sai como
entrou. Seu Inácio passa a régua rente à boca da quarta, derrubando o excesso
do polvilho sobre a mesa. A poeira fina do polvilho enche todo o ar do quarto
de despejo. Seu Inácio diz em voz firme:
- Tá aí a
sua quarta de polvilho bem medida. São 5 Mirréis ou 3 dias de trabalho, como o
Sr. preferir.
Passado
alguns dias, seu Inácio mandou um de seus filhos levar 3 litros de polvilho
para a esposa do seu Tibúrcio, mas naquele dia, ele agiu como era esperado por
todos: correto ao extremo.
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