Wednesday, October 13, 2010

Arroz Tergiversado

Arroz Tergiversado

Essa é uma receita complicada, mas não exige-se tanta experiência assim não. Nada que alguém que já tenha organizado uma prateleira de uma loja de 1.99 não consiga fazer. Vamos fazer um super arroz tergiversado para o Brasil. Ta tudo alinhavado e decifrado aqui na receita. Os passos são claros e bem definidos. Para se fazer um bom arroz tergiversado, tem que ter foco, se não você esquece de repetir alguma coisa muitas vezes, você tem que saber a hora de de de de de ga ga gaguejar. Vamos começar trazendo a base – o arroz. Eu sei que tão dizendo que eu coloquei muita água no arroz e que não temperei direito, é tudo calúnia. Saibam que eu defendo o uso do pré-sal no arroz. E use o arroz como ele vem na nossa cesta básica, não pode ser arroz integral não. A gente não fala muito de integral porque é com os quebradinhos que a gente vai juntando o prato. Se o arroz não sair bom, é porque uma outra mulher mexeu na panela, mas eu não vi e não sei de nada. Na cozinha, eu delego responsabilidades e não presto atenção nem nas receitas nem nos pratos finais. O importante é que na dispensa tenha mantega pra fazer arroz para todo mundo. Quando faltar ingrediente, ou se acabam exagerando, ponha a culpa no cozinheiro antigo, mas se tiver algo bom que ele fez, vou te dizer uma coisa, fale que foi você quem fez. Você pega um prato que o povo gostava e dá uma mudada de nome e coloca uma salsinha pra decorar e ele passa a ser seu, é assim que se faz um prato tergiversado. De volta pro nosso arroz tergiversado, ele vai ficar bom mesmo, tem que bater bastante e colocar um montão de coisas diferentes em qualquer ordem, e tem que repetir muito, é o segredo da receita. Voltar lá no começo o tempo todo. Ponha água e fale acrescente o arroz, depois ponha mais água e fale de novo acrescente o arroz, e aí ponha mais água. Quando alguém notar que tem muita água diga que é calúnia. E fale de boca cheia, diga que o povo gosta de tudo e que seu arroz dá pra servir um milhão, mesmo que seja só um pratinho. Esqueça a sua pré-concepção de cozinha, quando o prato pedir óleo, ponha leite, quando for a hora de sal, ponha canela, e repita bastante as coisas. Esse é o segredo da receita. Na próxima semana vamos mostrar um jeito tergiversado de arrumar a casa, já ta tudo dividido, aliás nem preciso um plano, a casa já ta arrumada - é só repetir isso também.

Friday, July 9, 2010

Sussuarana

Sussuarana

Já fazia um tempão danado que ninguém da redondeza ouvia notícia alguma do pessoal da fazenda que ficava do outro lado da serra. Era um espigão danado de alto que levantava desde a beira do Rio Formoso e dobrava direto rumo as cabeceiras do Ribeirão Caga-Fogo. Se alguém já foi no Ribeirão Caga-Fogo sabe muito bem o porque do nome. O córrego é infestado de Caga-fogo. Caga-fogo é uma arraínha pequeninha, do tamanho de um prato esmaltado daqueles brancos de fazenda, a danada é o bicho mais brabo que eu já vi, deitadinha na lama misturada nas folhas, e você chega perto ela falta saí da água para ferroar o caboco, e óia que quando ela pega um, bão nem precisa dizer dos pormenores, basta fala que tudo que o povo conta de ferroada de arraia é comprovado ali - tintim por tintim.

Bom, esse espigão é chamado e de Espigão do Vieira. Dizem que há muito tempo atrás um tal Zé Vieira, chegou no pé desse espigão e abriu um garimpo de ouro. O povo da redondeza fala que ele num chegô a tirá uma grama de ouro, mas o Veio Vieira passo o resto do seus dias escrafunchando praqui e pracolá. Depois que o Veio Vieira morreu apareceu uma luz no alto to espigão, assim logo depois to escurecer, que sai do alto do morro mais alto e atravessa a vazante todinha, tem dia que a danada chega a lumiá o chão que dá pra ver um grão de feijão no meio da terra. Cumpade Zeca atiça os meninos mais novo dizendo que porque o veio Vieira nunca casô, mas muita gente acredita mesmo é que o veio Vieira deixou um mundo de ouro interrado no sopé do morro indonde a luz nasce.

Do outro lado do espigão parece um paraíso. É uma terra de cultura da boa, forte, que dá o que plantá. É aí que fica a fazenda dos Bernardo Sampaio. Tanto tempo se passa sem notícias de lá que a gente inté esquece. Os Bernardo é um família inchirida, de intriga, e num dá trela pra nenhum dos vizinhos. Eles têm uns duzentos alqueire de terra, com muita água pro gado, mato virgem, e uma estrada boa que saí pro arraiá do Aruera. A última vez que eles se misturam com o resto do pessoá da redondeza foi numa novena de São Sebastião na Fazenda Contenda. Na festança fizeram um leilão e cada fazendeiro deu as prenda dum dia, era pra construir uma igreja e um grupo pra tê escolas pra mininada. Os tar dos Bernardo, fizeram um leilão de arromba na noite deles, só pra mostrar que eles não passavam precisão não. Isso já faz uns dois anos, se num fô mais. Nós nunca fomos de fazer visita, ou de trocar dia de trabalho. Na seca do ano passado, o Cumpade Zeca discuidô dos aceros das roças e veio um fogo brabo que parecia que ia queimar tudo, inté a casa do cumpadre tava perigano. Todo mundo foi correndo pra acudí o cumpade, do outro lado do espigão só veio vento brabo pra atrapalhar, dos Bernardo num veio nem um barde d’agua. Como já faz muito tempo sem notícia, a gente começa e falá isso e aquilo deles. Não é coisa boa a gente ser vizinho e fica tão apartado assim não, sempre falo que uma hora vou arriar o Rosado e dá uma volta pelas berada do Formoso para pagar uma visita e vê como andam as coisas por lá. Bom as intenções inté que são boas, mas na verdade o tempo só passa e nunca que saí de casa pra ir na fazenda dos Sampaio.

Já tinha passado a enchente de São José, que é a última enchente do ano antes de entrar a seca. Essa enchente vem sempre por volta do dia de São José, 19 de março. Nessa época a gente tem que tomar mais cuidado do gado, porque os pasto nos campos precisam de descansar para pode guentar a seca braba que vai até fim de setembro. Numa tarde dessas, eu fui buscar a vacas solteira no pasto na bera do espigão, e eu dei com uma carniça que pra mim era da roxinha, uma das meió vaca que eu tinha, e só podia ter sido a bicha. Essa onça danada já vinha comendo um bezerro aquí outro alí por muito tempo, mas nunca tinha pegado uma vaca erada, e aquela era uma das melhores vaca na fazenda. Voltei pra sede apaixonado, pensando na roxinha que com certeza tava pra dar cria. Foi uma perda de dar dó.

Eu tinha acabado de chegar em casa, tirado a botina pra descansar os calos quando ví aprumando na estrada um cavalo baio meio desconhecido. Era a dona Firmina Sampaio. Me apressei pra abrir a cancela, porque logo ví que era coisa séria. Depois de tanto tempo pra dona Firmina vir assim sozinha e num trote agalopado desse, alguma coisa ruim tinha que ter acontecido. Nem bem apeiou e já começou a conta sua agonia. O Marco Sampaio um rapazinho já mudando a fala, ai pros seus catorze ou quinze anos, tinha saído pra dá uma caçadinha de jaó no mato e num tinha vortado, O veio Bernardo foi atrás é depois de dois dias de procura ainda não tinha achado o menino. Só aí, contra a vontade do véio, que dona Firmina veio buscá ajuda. Tudo foi passando pela minha cabeça e só pensei que o menino tinha se perdido. O mato virgem de lá é feio, e de dá medo. Tens uns pedaço que nem bicho entra, é biboca feia mesmo. Mandei na mesma hora, um dos meninos dar uma carrera no cumpade Zeca e no Murilo Caldera. Eles chegaram já era de noitinha e nós arrumamos poso pra todo mundo e fomo tratando de dormir pra sair bem de madrugadinha.

Antes mesmo do galo cantar, a mulher já tinha passado um café e fritado uns ovos pra gente sair logo. Era umas quatro horas pra cruzar o espigão, como era fim das chuvas eu sabia que uns pedaços do pasto ia dar muito alto e o orvalho ia atrazar a gente um bocado. Aprumamo estrada afora e serra arriba numa marcha puxada, a veia Firmina tava mesmo apurada e num quiz ficá pra traz não, ela veio acompanhando de perto. De vez enquando eu escutava os suspiro de aflição dela um pouco pra traz de nóis. Quando nóis avistamos a sede da fazenda vimos o seu Bernardo de saída com duas trelas de cachorro e uma espingarda na cabeça do arreio. Era umas sete horas da manhã e o veio Bernardo chorava que nem um menino. Nós chegamos pronto pra procurar pelo menino perdido, mas daquela hora em diante nós descubrimos que nóis ia era caçar uma onça assassina. O veio Bernardo tinha encontrado, uns pedaços do menino, perto da pedra redonda, que era bem no meio da mata. E tudo isso só significava uma coisa, que a bicha só podia estar de filhote e por isso tava carregando as caça pra perto do espigão. Foi duro convencer o veio Bernardo a esperar eu voltar na fazenda pra buscar mais umas armas de fogo e o Lampião. Lampião era um cachorro perdigueiro danado, na trilha duma perdiz não tinha melhor, mas na hora de caçar onça o bicho é meio bobo e é o único que tem coragem de correr a danada, os outros cachorros afinam, parece até que sabe o tem adiante, e eu tinha certeza de que com o Lampião eles iam ter mais coragem.

No dia seguinte, o sol ainda não tinha apontado e nos já estávamos no pé do espigão com a cachorrada. Ia o veio Bernardo na frente de cabeça baixa, depois eu e o cumpadre Zeca, sem muito pra falar, e mais atrás Murilo Caldera, Pedo Timbó, João Lorenço e o Zé Canela mais atráz com os cachorros nas trela. Soltamos a cachorrada na vertente do Formoso, bem na entrada da mata, e eles pegaram uma trilha mata a dentro, os cachorros americanos, tem aquele uivado longo, gostoso, parece que um tira o latido e quando tá quase terminando o outro emenda. Logo ví que o bicho estava indo muito rápido e virando pro lado do rio. Viado mateiro tem mania de correr mato a baixo e atravessar o rio, é aí que ele dispista a cachorrada. Numa caçada comum eu ia correr beirando o espigão para cercar o danado, mas naquela hora eu comecei a tocar a buzina pra tirar os cachorros de idéia, a gente tava procurando uma caça diferente naquele dia, e com o barulho não podia perder muito tempo, senão não ia achar a bicha não. Apuramos o passo para entrar mata a dentro e chegar no sopé do espigão, onde tinha muita grota, e pedra de todo jeito e todo tamanho, dava uns arrepio de ver onde a gente estava entrando. Cada passo que um caboco dava era com cuidado. Se quebrasse um galhozinho subia um arrepio espinha arriba. O sol quase num chegava lá embaixo, aquilo era lugá de onça mesmo, e se o caboco topasse com ela ali ia ser um aperto. Eu ia com o dedo no gatilho da espingarda.

Por volta do meio dia, demos numa grota com água, e foi aí que eu vi primeiro sinal da danada. O rastos da bicha no fundo da grota ainda estavam enchendo d’água, e foi fácil soltar a cachorrada na trilha certa. Os cachorros do veio Bernardo pareciam que já sabiam o que tinha pela frente, os uivados já eram mais curtos e o latido do Lampeão liderava a corrida morro arriba. Nós tratamo de separar. Eu, Zeca e Murilo aprumamos pelo mato fechado, pra se a bicha fizesse uma volta ela ia vim morrer ni nós. João Lourenço, Pedo e Zé Canela, apertaram o passo para ficar sempre perto dos cachorros, porque se a bicha subir num paú, ela fica esperando de jeito e mata os cachorros um a um, se não chegar alguém logo pra segurar os bobos e lógico passar fogo na danada. O veio Bernardo, tava meio desesperado, e nem ví quando ele aprumou no rumo da pedra redonda, cortando atalho no mato fechado, ele ia rasgando o mato no peito. Ele sabia que o esconderijo da danada não era longe de onde ele tinha achado o menino. Como a bicha tava de filhote ela ia esconder o filhote e tratar de despistar os cachorros, porque o filhote não pode correr com ela e até atrapalha. Meu atino era seguir beirando o espigão até dar na pedra redonda, mas pelo mato cerrado eu ia acabar chegando muito tarde. A cachorrada já estava acuando com mais vontade, era sinal de que a bicha tinha cansado e eles já estavam chegando muito perto. A tal da pedra redonda é a morada perfeita pr’uma onça. De um lado dá pra chegar só meio de quatro pelo mato fechado, mas do outro é um despenhadeiro duns 40 metros de altura que só onça pra subir. Foi desse lado que eu cheguei junto com Zeca e o Murilo, e fui logo gritando pra ver se o veio Bernardo já tava por alí e num tivemos resposta nenhuma, os cachorros tinha terminado a toada de corrida e parecia que tavam acuando e enfrentando a bicha, era uns latidos finos e gritos e logo apareceu o primeiro com a metade do coro da cara rasgado, só podia ter sido um tapa da condenada. Nós estamos embaixo sem jeito de chegar no topo e a bagunça tava feia, eu ouvia o Lampeão latindo e gritava pro danado voltar, mais cá comigo conhecendo o danado eu sabia que ele tava de cara a cara com a danada. Os rosnados eram de fazer qualquer homem amar a espingarda, era de arrepiá. Nisso chegou o restos dos homens e começamos a subir o despenhasco, só torcendo pra não topar com a danada no meio do mato sujo. Num tinha espinho nem pedra que parasse a gente, um subia um pouco se firmava numa raiz ou qualquer coisa e pegava as espingardas e outro subia e assim nos fomos tentando chegar no topo o mais depressa possível.

O Zeca foi o primeiro que aprumou a cabeça ainda meio dependurado na berada da pedra redonda e gritou: Virge Mãe de Deus. Eu que tava uns dois passos atrás passei a espigarda já armada pra ele e ele disparou os dois canos de uma vez. O véio Bernardo tava no chão debaixo da onça todo arranhado na cara e no pescoço e a espingarda do veio ainda armada que parecia contar a historia da onça que foi mais rápida que o caçador. Ele num teve tempo de puxar o gatilho. Morreu alí, no mesmo lugar onde achou seu filho. A onça acuada não se moveu de cima da sua última caça até receber os dois balotes do Zeca no pé do ouvido. Os cachorros em volta tentando atacar e quem sabe proteger o finado Bernardo. Reunimo as coisa, o corpo do finado Bernardo, as armas, penduramo a onça num pau pra carregar e começamo a desce a tal da pedra redonda. No meio da descida encontramos o filhotinho que do oco de uma árvore assistia tudo, com certeza sem saber direito o que tava acontecendo.

Dona Firmina agora cria o filhotinho da danada dentro de casa, pois é tudo o que sobrou do marido - o finado Bernardo e do único filho, o moleque Marco Sampaio. O coro da danada tá esticado secando no paiol e ela disse que vai pregar ele na parede da sala pra nunca esquece os dois.

Alannes Moura.

Saturday, July 3, 2010

Objeto


Objeto

Sentir: Ato ou efeito de viver.
Sentir o palpitar, o ferir, o doer
Dor, uma forma especial de sentir.
Como um sentir que não causasse saudades.
Mas saudade é também um sentir.
É um sentir dobrado.
É ter vontade de ter.
É ter uma vontade extrema de ter e de ver
Sempre quando não se tem, não se vê.
Quase ao ponto de doer.
Não é nada como sentir calor
Ou frio, ou medo, sede ou fervor.
Mas é como sentir o amor
Sentir, verbo transitivo
Sempre a clamar seu objeto direto.
E aí como se explica
Que o amor faz o sentir ser completo?

Sunday, June 27, 2010

Vida Danada.

Vida danada, cheia de sodade, de sonhos e lembranças. Fazenda Bananal, lugá quieto, tranquilo, longe de tudo. Casinha cercada de mangueiras, um currá barrento nas águas e na seca puerento. Currá feito de arame, arame que boi brabo rasga no peito. E eu vivendo ali, entra dia e sai dia, a mema coisa. Levantano na madrugada fria pra tirá o leite. O leitero, ainda levantava mais cedo porque o danado chegava na porteira inhantes do sor nascê. Eu ja tinha que ter terminado. Só tinha mesmo tempo de tomá um copo de leite com café. Pegava um copão de aluminio, punhava uns dois dedo de café quentim e escolhia a meió vaca pra tirar o leite, diretim den'to do copo. O danado enchia e a espuma escorria, mais inhantes de vê o fundo to copo já tava sortano outro bezerro e peando a vaca. Na seca deixava bastante leite pro danado, entregava leite pro leitero só memo pra manter a freguesia com o home, por que senão o danado num comprava meu leite nas água. Já nas águas tirava o leite todim, deixava seco, e o bezerro só dava cabeçada no ubre da vaca e nada de leite, mas os pasto era bão e o bichim crescia forte assim memo. Bão, isso era o começo do dia. Do currá ia eu pro chiqueiro, alí tratava dos porco com milho. Tinha o trabalho de descascar o milho pra dar pros porco de engorda, mais pros outros quarquer coisa sirvia, cortava umas abobora se tivesse, jogava uns abacate ou um restoi do milho que nem descascá precisava. Batia umas espiga de milho pras galinhas. Isso aprendí com o querido Tio Clarimundo, que sempre dizia que se fosse lá em casa, num podia leva paia de cigarro no borso senão as galinha ia segui ele até a fazenda dele esperando cair uns graozim no camim. Dispois disso, tava pronto pra principiá o trabaio do dia. É já tinha passado varias horas de trabaio, mas o dia ainda tava só começano. Se tivesse marca de peão, eles já divia ter chegado, tomado um café com biscoito e era só ir pra roça. Limpa de milho, planta de arroz, limpá terra de feijão, coieita, batê pasto, entra noite sai dia e isso é parte da rotina. A gente recebe os vizim numa semana, e trabaia pr’eles noutra, e só uma permuta de dia, ninguém tem que paga ninguén, mesmo porque dinheiro num sobra muito não. E assim a gente vai vivendo, prepara a terra, planta, limpa, colhe, põe o gado nas paiadas e começa tudo de novo. Ê vida danada.

Sunday, June 20, 2010

Reflexão de uma Viagem

Interessante, estou voltando pra casa. Sentado no aeroporto de Austin, Texas, aguardando o embarque do meu primeiro vôo de minha volta ao Brasil. Cheguei cedo no aeroporto. Serão mais de duas horas de espera. O passatempo do dia: escrever.
Foram vinte dias fora e já me sentia em casa onde estava. Não contei os dias passando um a um. Sei que foram vinte porque meu computador acaba de me alertar que fazem vintes dias que não faço um back-up, e me lembro de ter feito um na manhã antes de viajar. É aquela preocupação que todos têm de guardar aquilo que lhe é mais precioso. E pra mim, naquele momento antes de embarcar para o exterior, eu queria guardar meus arquivos. Será que hoje tudo que eu tenho de valor pode ser copiado para um HD externo e mantido em casa me esperando voltar de viagem? Será que eu copiaria outras coisas se pudesse? O que mais eu guardaria? Reflexões de viagens são justamente para nos ajudar a responder essas perguntas. Na verdade não sei. Mas sei que muitos tem outras preocupações. Fiquei vintes dias fora e voltei a pensar em inglês, na verdade o título deste começou sendo “reflections of a trip”. Mas minha audiência principal muito provavelmente preferiria ler em português, por isso a troca. Mas a idéia inicial era tratar os reflexos do sol na costa do pacífico, os reflexos dos edifícios espelhados de Austin sobre o town-lake, um lago maravilhoso, verde escuro, cercado de verde e dominado por um casal de cisnes. A idéia era brincar com as reflexões sobre vida e sobre a viagem. Enfim, brincar com reflexos e reflexões. Isso eu faria bem em inglês, em português prefiro tratar de assuntos mais instigantes. Deixo os reflexos, literalmente falando, para um momento de nostalgia revendo fotos da viagem, o que em inglês eu usaria “snapshots” ao invés de “photos”. Capturar um momento, um “snapshot”, é muito mais do que capturar uma cena ou uma foto. O sol e o horizonte compõem uma foto ou uma cena; mas o sol, o horizonte e o perfil de uma gaivota compõem um momento, um pedaço de uma poesia. E me lembro das aulas de espanhol com uma quase namorada de há algum tempo atrás. Eu dizia - gaivota. Ela retrucava - “Gaviota me estás cambiando las vogales”. E eu dizia: morciegalo? “¡Non, és morcielago!” E eu dizia - Efelante?. “Si vás a seguir cambiando todo, vamos a encerrar el clase, y ya no te enseño mas nada”. Perfecto, vamonos hablar de reflecciones de un viaje, dizia eu pronto para tomar outra direção mais interessante e menos confusa. Mas viagens são isso – momentos e oportunidades. Pra mim, viagem começa após o check-in. Sim, odeio a correria de fazer malas, comprar encomendas de amigos, chegar correndo ao aeroporto – isso não é viagem. A viagem começa após o check-in, você sabe que não vai mais perder o avião e pode se sentar no aeroporto e observar as pessoas e ouvir sem entender os anúncios chiados nos alto-falantes. Isso pra mim é viagem. Ver o time de futebol que infelizmente irá no meu vôo acabando de chegar, uns reclamando de dores, outros do resultado do jogo, outro perdido olhando para nunca com o ipod no ouvido, isso é viagem. Você deve saber o que é olhar para “nunca” – é aquele olhar para lugar algum, onde as cores se embaraçam e as formas se embaçam, ou até seria ao contrario. Mas é isso, olhar e não ver, e não ver que outros estão te olhando. As pessoas fazem coisas absurdas e engraçadas. Eu queria ser um mosquito de aeroporto – ficar na parede só olhando. A chinesinha manca passando, tá na cara que não tá conseguindo andar, que a mochila tem muito mais muamba que ele consegue carregar. Aliás o que teria naquela mochila para parecer tão pesada? Se tiver um computador, é desktop, tenho certeza. Deve ter um par de patins pro namorado, ou uma boneca pra filha – tamanho real (a boneca é claro). E agora com a pãoduragem das companhias áreas, as pessoas deram pra comprar comida e fazer pic-nic nos aviões. Bom aqui nos EUA tá assim, quando a mania chegar ao Brasil vai ser a maior farofada, aliás reflexões de viagens me levam a lembrar de uma viagem de ônibus no interior de Goiás, há muito tempo atrás. Foi assim: Cheguei uns 45 minutos antes da saída do ônibus para comprar a passagem, comprei e fui para a parada esperar o bendito. No decorrer da viagem o mesmo passará a ser chamado de maldito, mas vamos ao caso. A parada do ônibus era do outro lado da rua. Não era uma rodoviária, não tinha acentos, nem fila. O que deveria existir porque minha passagem não tinha acento definido, era ingresso sem lugar marcado, “popular geral” em futebolez, quem já foi em um show de rock em um parque público, sabe o que estou falando, ou o popular ingresso na geraldina no jogo de futebol. Bom fiquei por ali esperando o tal ônibus chegar. Ele parou uns 20 metros mais adiante e o cobrador gritou- Silvânia. Não precisava gritar pois todos daquele lado da rua já se empurravam para entrar no ônibus. Entrei e consegui um lugar desejável, terceira fila na janela. Pensava eu, na minha ingenuidade de viajante, que iríamos partir logo. Quanto todos pareciam acomodados para a viagem, alguém gritou, abaixem a cabeça! Me virei para traz e alguém estava passando taboas pela janela. O ainda bendito ônibus, levava pessoas para aquela cidadezinha, mas também cuidava das necessidades de transporte dos passageiros, assim o senhor que havia comprado taboas para fazer um chiqueiro, descobri mais tarde, as levaria no corredor, no piso do ônibus. Sorte a minha que ele ainda ia fazer o chiqueiro assim na minha volta, somente uma semana depois, ele ainda não teria os porcos para trazer para a cidade. Carregadas as taboas, o bendito ônibus partiu. Andou uns dois quilômetros e parou em uma outra parada, esta de frente a uma venda ou mercearia, ali aguardava um senhor com uma carroça. Tudo bem, como não se trata de conto ilustrado, descrever uma carroça se faz necessário. O Aurélio diria se tratar de um veículo de tração animal utilizado para transporte de pequenas cargas na zona rural. Bem o que eu vi e chamei de carroça, era um quadrado de madeira sobre duas rodas, puxado por dois animais na pior das condições imagináveis, magros, famintos, com feridas e carrapatos. Em cima da carroça, caixas e mais caixas de mantimentos. Mantimentos, volto ao Aurélio, nome genérico para itens de consumo em fazendas. Aparentemente, as pessoas que já estavam no ônibus, faziam suas compras em algum lugar e o senhor da carroça, não confundir com o senhor dos anéis, que naquela época nem em livro existia, se encarregava de levar tudo e entregar-lhes nessa parada de ônibus. O bendito ônibus ficou ali uns 30 minutos para se fazer a transferência de cargas. A única vantagem dessa parada foi que não fomos alertados para abaixar a cabeça. Dando continuação à viagem, as pessoas que voltavam das compras na cidade sempre se amontoavam na frente do ônibus para informar ao motorista do ponto exato onde queriam ser despejadas. A cada parada descia-se duas ou três pessoas, o motorista descia para abrir o porta-malas do ônibus e retirar as caixas de mantimentos. A medida que a viagem de estendia, as pessoas começavam a consumir as farofas preparadas para a viagem, ou os pães da padaria, as bolachas, e as crianças barrigudinhas se fartavam nas balas da cidade – era um show de simplicidade, outros diriam “um relaxo”. O calor era incessante e a janela aberta na minha posição de vantagem o aliviava bastante. Percorremos uns 30 quilômetros dessa maneira e pra minha surpresa o ônibus, que com tantas paradas havia deixado de ser “bendito ônibus”, deixou a estrada de asfalto e tomou uma paralela de cascalho. Nesse momento alguém já anunciou com voz de comandante de quartel – vamos a fechar as janela (singular) porque a poeira vai ser daquelas. Naquele momento, o ônibus, ganhou o nome final – o maldito ônibus. Ninguém disse para o comandante de quartel que a janela, a da minha posição onde eu me sentara, até então vantajosa, estava emperrada e logicamente não fechava. Mal entramos na estrada e passamos por um veiculo que vinha em sentido contrário. A poeira que naquele momento já ofuscava a visão passou a ofegar a respiração e insultar os brônquios. Usei a gola da camisa para cobrir o nariz e tentar filtrar um pouco do pó. Não enxergava quase nada, mas ouvia bem o comandante do quartel gritar – caralho quem não fechou as janela (singular)? Naquela altura só restada a angustia de esperar chegar próximo à minha parada para eu fazer como os outros, ir para a frente perto do motorista e pedir-lhe para descer daquele maldito ônibus. Me lembro que na época, eu não tinha câmera, computador nem existia, o sofrimento que reflito hoje era parte de cotidiano de tantos que nem engraçado era. Naquela viagem não haviam reflexos nem reflexões, havia poeira.
Já se passaram uns quarenta minutos de espera, e continuo a escrever e observar – viajei um pouco na viagem de Goiás, mas estou de volta. Tem uma gringa super curiosa sentada do meu lado, tenta ler o que eu estou escrevendo, até viro a tela para o lado um pouco e observo de canto de olho a cara dela – ela franze a sobrancelha e seus lábios soletram as minhas palavras – mas ela não entende patavina. Caramba, a versão do Word que estou usando não reconhece as palavras em inglês e acaba de sublinhar de vermelho a palavra gringa, e veio nossa primeira interação – me dê um minuto e já volto (a escrever) – passa-se alguns minuto. Voltei! Ela se chama Shanon e está indo de Austin para Beevertown, Oregon, quase tão longe quanto São Paulo, e em direções opostas. Estava em Austin para se matricular na universidade vai começar as aulas em agosto e já até alugou onde morar – para nós, brasileiros - cúmulo da antecipação – 6 meses adiantado - para ela, já estava atrasada e tinha medo de não achar um lugar para morar. Engraçado que já estive em Beevertown. Cidade da Intel, coisa de nerd, mas estive lá e visitei uma FAB, visitei também a fábrica da Nike e ela disse que morava perto – coincidência ou não, descobri isso tentando conversar e explicar suas perguntas. Vale a pena colocar em formato de dialogo o que conversamos:
What language is that?
Porkandcheese, respondi.
Pork what? Is that a language? Ooohh Portuguese. Why did’ya say that?
I Said Portuguese.
And where are you from? Portugal? Samoa?
(Wow – ela sabe 2 países que falam português! Fiquei espantado, como manezinho que estou me tornando, diria fiquei “inusitado”) I am from Brasil.
Oh Brazil, I thought Brazil was in South America.
(Escondendo a cara de desapontado) Oh, it is in S.A. but we do speak Portuguese. I am actually flying home today.
Where are you from? You don’t sound Texan. I asked.
I am from Beevertown.
(como se Beevertown fosse igual a NY-todos conhecessem). Oregon, Wow, you’re long ways from home.
You know Beevertown? I am impressed. Yes, I am here to make housing arrangements, I am going to grad school at UT in the fall.
I can only see GRINGA underlined? Why? Is that about me?
Oh no. I am just jotting down things about my trip – a blog or journal.
Trocamos algumas outras palavras e acabou a conversa interrompida pelos chiados que chamavam seu vôo para Denver.
Ok. They are starting to board. Have a Nice trip home.
(and she left - e ela se foi)
Meu vôo estava próximo e com a interrupção achei melhor fechar o micro e escrever depois. Era apenas a primeira perna de uma longa viagem e teria tempo de sobra para completar minhas reflexões. Pensava eu, mas só vim acabar estas frases já no Brasil, em casa e uma semana depois, e para não trair o sentimento do que seriam reflexões de uma viagem, dou por encerrada esta jornada.
Escrito dia 2/5/2010

Sunday, February 14, 2010

Feliz


Feliz...
Devido à minha evidente tendência de não me comunicar com os amigos regularmente, estou publicando meus votos de Feliz... somente.
Não que eu lhe deseje votos de "só felicidade". Não, desejo-lhe também os apretechos necessários para que ela seja usufruída ao máximo, coisas como saúde, dinheiro, amizades, e tudo mais.
Portanto tenha um Feliz...
Pode ser Ano Novo, Aniversário, Páscoa, Natal, Aniversário de bodas, Hanukkah e outros mais. Acreditem ou não.
Há aqueles que não acreditam em Natal por exemplo, e se ofenderiam. Assim ao desejar Feliz... hei de não perturbar a ninguém, com exceção é claro aos já perturbados por natureza. E estes não entenderiam a mensagem mesmo se mais explícita. É, tenho amigos neste estágio sim, não é você claro.
Sabe aquela sensação de estar se jogando em um buraco sem fundo? Bom, para o buraco não ficar sem fundo demais, em nenhum momento estou dizendo que quem não acredita, é perturbado. A grande vantagem desta ser uma mensagem escrita, é que você pode voltar ao início e ler de novo, e de novo, até entender. Eu o faço com freqüência, quando um ponto parece me perturbar.
Tenho amigos meio tipo iô-iô. Sim iô-iô que vai e vem, e vem e vai, e vem quando menos se espera. Sempre trazendo surpresas maravilhosas, não por culpa ou intenção deles, talvez até porque eu solte a borrachincha às vezes. Não por sacanagem, já soltaram a minha borrachincha quando estava esticadérrima e deixou um vergão da porra. Tenho amigos da porra. Essa é para homenagear os amigos da porra que tenho, e eles sabem o quanto demorei a aprender a usar essa expressão na hora certa. Se você não sabe, oxê!, trate de aprender.
Me debati se deveria usar amigo(a)s (é, com o parêntesis e tal) ou até escrever em inglês, "friends" que é comum de dois gêneros, mas amigos também o é – assim reforço que minhas amigas então inclusas. Procure lembrar-se da gramática no seu quarto ano primário. Tenho amigas que não conseguem voltar tanto tempo atrás, não é o seu caso claro.
Entenda ou não. Há aqueles que não vão me entender. Que vão estar procurando mensagens nas entrelinhas, tentando ler detrás para a frente ou de ponta-cabeça, e vão acabar complicando tudo. Meu objetivo aqui é desejar felicidades. Tenho amigos assim, não é você claro. E se você não sabe o que é de ponta-cabeça, mas bá tchê, não é tu mesmo.
Esse recado é super pessoal, mas não veio e nem está sendo direcionado a uma só pessoa. Digo isso porque todo mundo tem um amigo que vive naquela paranóia. Tem sempre um que vai pensar que eu estava falando especificamente dele, o tempo todo. Não é o SEU caso claro. Digo e repito, eu usei o estilo BCC (cópia oculta) do e-mail, escrevi pensando em mandar para TODOS meus amigos.
Não escrevi isto em uma só sentada não. Assim deixei que minhas outras personalidades tivessem a chance de se deparar com o texto também. Importante que você leia mais de uma vez, em dias diferentes, imprima cópias e deixe-as em lugares óbvios. Quero atingir a todos, você e seus outros. Mesmo quem tem múltiplas personalidades, não é o seu caso, claro; cada uma dessas personalidades é única.
Desejar um Feliz (?), é esse o momento de fazê-lo? Porque agora? Não existe um momento exato pra se desejar felicidades, mesmo porque o ser feliz, deve ser contínuo, sem começo, sem fim. Desejar felicidades não se trata de um cartão-resposta, mas sim de uma iniciativa. Qualquer momento é apropriado. É, tampei o sol com a peneira agora, mas o que importa é que tem peneira pra todo mundo. Não estou sugerindo que você precise de peneira, claro.
Esse trem de ser "chic nos úrtimo", pode ser tão gostoso e perigoso como o xiquexique. Mas não quero espinhar ninguém. Nem quero ser politicamente correto, porque correria o risco de ser político, e afinal de contas quero ser autêntico. Voltando ao buraco, não estou dizendo que políticos sejam mentirosos, mas enfim voltemos ao ponto - o Feliz...
Quero uma mensagem simples, e como ser feliz deve ser algo simples, desejo a você que simplesmente seja Feliz...e desta vez, sim. É pra você, claro.

Alannes Moura