Sunday, June 27, 2010

Vida Danada.

Vida danada, cheia de sodade, de sonhos e lembranças. Fazenda Bananal, lugá quieto, tranquilo, longe de tudo. Casinha cercada de mangueiras, um currá barrento nas águas e na seca puerento. Currá feito de arame, arame que boi brabo rasga no peito. E eu vivendo ali, entra dia e sai dia, a mema coisa. Levantano na madrugada fria pra tirá o leite. O leitero, ainda levantava mais cedo porque o danado chegava na porteira inhantes do sor nascê. Eu ja tinha que ter terminado. Só tinha mesmo tempo de tomá um copo de leite com café. Pegava um copão de aluminio, punhava uns dois dedo de café quentim e escolhia a meió vaca pra tirar o leite, diretim den'to do copo. O danado enchia e a espuma escorria, mais inhantes de vê o fundo to copo já tava sortano outro bezerro e peando a vaca. Na seca deixava bastante leite pro danado, entregava leite pro leitero só memo pra manter a freguesia com o home, por que senão o danado num comprava meu leite nas água. Já nas águas tirava o leite todim, deixava seco, e o bezerro só dava cabeçada no ubre da vaca e nada de leite, mas os pasto era bão e o bichim crescia forte assim memo. Bão, isso era o começo do dia. Do currá ia eu pro chiqueiro, alí tratava dos porco com milho. Tinha o trabalho de descascar o milho pra dar pros porco de engorda, mais pros outros quarquer coisa sirvia, cortava umas abobora se tivesse, jogava uns abacate ou um restoi do milho que nem descascá precisava. Batia umas espiga de milho pras galinhas. Isso aprendí com o querido Tio Clarimundo, que sempre dizia que se fosse lá em casa, num podia leva paia de cigarro no borso senão as galinha ia segui ele até a fazenda dele esperando cair uns graozim no camim. Dispois disso, tava pronto pra principiá o trabaio do dia. É já tinha passado varias horas de trabaio, mas o dia ainda tava só começano. Se tivesse marca de peão, eles já divia ter chegado, tomado um café com biscoito e era só ir pra roça. Limpa de milho, planta de arroz, limpá terra de feijão, coieita, batê pasto, entra noite sai dia e isso é parte da rotina. A gente recebe os vizim numa semana, e trabaia pr’eles noutra, e só uma permuta de dia, ninguém tem que paga ninguén, mesmo porque dinheiro num sobra muito não. E assim a gente vai vivendo, prepara a terra, planta, limpa, colhe, põe o gado nas paiadas e começa tudo de novo. Ê vida danada.

Sunday, June 20, 2010

Reflexão de uma Viagem

Interessante, estou voltando pra casa. Sentado no aeroporto de Austin, Texas, aguardando o embarque do meu primeiro vôo de minha volta ao Brasil. Cheguei cedo no aeroporto. Serão mais de duas horas de espera. O passatempo do dia: escrever.
Foram vinte dias fora e já me sentia em casa onde estava. Não contei os dias passando um a um. Sei que foram vinte porque meu computador acaba de me alertar que fazem vintes dias que não faço um back-up, e me lembro de ter feito um na manhã antes de viajar. É aquela preocupação que todos têm de guardar aquilo que lhe é mais precioso. E pra mim, naquele momento antes de embarcar para o exterior, eu queria guardar meus arquivos. Será que hoje tudo que eu tenho de valor pode ser copiado para um HD externo e mantido em casa me esperando voltar de viagem? Será que eu copiaria outras coisas se pudesse? O que mais eu guardaria? Reflexões de viagens são justamente para nos ajudar a responder essas perguntas. Na verdade não sei. Mas sei que muitos tem outras preocupações. Fiquei vintes dias fora e voltei a pensar em inglês, na verdade o título deste começou sendo “reflections of a trip”. Mas minha audiência principal muito provavelmente preferiria ler em português, por isso a troca. Mas a idéia inicial era tratar os reflexos do sol na costa do pacífico, os reflexos dos edifícios espelhados de Austin sobre o town-lake, um lago maravilhoso, verde escuro, cercado de verde e dominado por um casal de cisnes. A idéia era brincar com as reflexões sobre vida e sobre a viagem. Enfim, brincar com reflexos e reflexões. Isso eu faria bem em inglês, em português prefiro tratar de assuntos mais instigantes. Deixo os reflexos, literalmente falando, para um momento de nostalgia revendo fotos da viagem, o que em inglês eu usaria “snapshots” ao invés de “photos”. Capturar um momento, um “snapshot”, é muito mais do que capturar uma cena ou uma foto. O sol e o horizonte compõem uma foto ou uma cena; mas o sol, o horizonte e o perfil de uma gaivota compõem um momento, um pedaço de uma poesia. E me lembro das aulas de espanhol com uma quase namorada de há algum tempo atrás. Eu dizia - gaivota. Ela retrucava - “Gaviota me estás cambiando las vogales”. E eu dizia: morciegalo? “¡Non, és morcielago!” E eu dizia - Efelante?. “Si vás a seguir cambiando todo, vamos a encerrar el clase, y ya no te enseño mas nada”. Perfecto, vamonos hablar de reflecciones de un viaje, dizia eu pronto para tomar outra direção mais interessante e menos confusa. Mas viagens são isso – momentos e oportunidades. Pra mim, viagem começa após o check-in. Sim, odeio a correria de fazer malas, comprar encomendas de amigos, chegar correndo ao aeroporto – isso não é viagem. A viagem começa após o check-in, você sabe que não vai mais perder o avião e pode se sentar no aeroporto e observar as pessoas e ouvir sem entender os anúncios chiados nos alto-falantes. Isso pra mim é viagem. Ver o time de futebol que infelizmente irá no meu vôo acabando de chegar, uns reclamando de dores, outros do resultado do jogo, outro perdido olhando para nunca com o ipod no ouvido, isso é viagem. Você deve saber o que é olhar para “nunca” – é aquele olhar para lugar algum, onde as cores se embaraçam e as formas se embaçam, ou até seria ao contrario. Mas é isso, olhar e não ver, e não ver que outros estão te olhando. As pessoas fazem coisas absurdas e engraçadas. Eu queria ser um mosquito de aeroporto – ficar na parede só olhando. A chinesinha manca passando, tá na cara que não tá conseguindo andar, que a mochila tem muito mais muamba que ele consegue carregar. Aliás o que teria naquela mochila para parecer tão pesada? Se tiver um computador, é desktop, tenho certeza. Deve ter um par de patins pro namorado, ou uma boneca pra filha – tamanho real (a boneca é claro). E agora com a pãoduragem das companhias áreas, as pessoas deram pra comprar comida e fazer pic-nic nos aviões. Bom aqui nos EUA tá assim, quando a mania chegar ao Brasil vai ser a maior farofada, aliás reflexões de viagens me levam a lembrar de uma viagem de ônibus no interior de Goiás, há muito tempo atrás. Foi assim: Cheguei uns 45 minutos antes da saída do ônibus para comprar a passagem, comprei e fui para a parada esperar o bendito. No decorrer da viagem o mesmo passará a ser chamado de maldito, mas vamos ao caso. A parada do ônibus era do outro lado da rua. Não era uma rodoviária, não tinha acentos, nem fila. O que deveria existir porque minha passagem não tinha acento definido, era ingresso sem lugar marcado, “popular geral” em futebolez, quem já foi em um show de rock em um parque público, sabe o que estou falando, ou o popular ingresso na geraldina no jogo de futebol. Bom fiquei por ali esperando o tal ônibus chegar. Ele parou uns 20 metros mais adiante e o cobrador gritou- Silvânia. Não precisava gritar pois todos daquele lado da rua já se empurravam para entrar no ônibus. Entrei e consegui um lugar desejável, terceira fila na janela. Pensava eu, na minha ingenuidade de viajante, que iríamos partir logo. Quanto todos pareciam acomodados para a viagem, alguém gritou, abaixem a cabeça! Me virei para traz e alguém estava passando taboas pela janela. O ainda bendito ônibus, levava pessoas para aquela cidadezinha, mas também cuidava das necessidades de transporte dos passageiros, assim o senhor que havia comprado taboas para fazer um chiqueiro, descobri mais tarde, as levaria no corredor, no piso do ônibus. Sorte a minha que ele ainda ia fazer o chiqueiro assim na minha volta, somente uma semana depois, ele ainda não teria os porcos para trazer para a cidade. Carregadas as taboas, o bendito ônibus partiu. Andou uns dois quilômetros e parou em uma outra parada, esta de frente a uma venda ou mercearia, ali aguardava um senhor com uma carroça. Tudo bem, como não se trata de conto ilustrado, descrever uma carroça se faz necessário. O Aurélio diria se tratar de um veículo de tração animal utilizado para transporte de pequenas cargas na zona rural. Bem o que eu vi e chamei de carroça, era um quadrado de madeira sobre duas rodas, puxado por dois animais na pior das condições imagináveis, magros, famintos, com feridas e carrapatos. Em cima da carroça, caixas e mais caixas de mantimentos. Mantimentos, volto ao Aurélio, nome genérico para itens de consumo em fazendas. Aparentemente, as pessoas que já estavam no ônibus, faziam suas compras em algum lugar e o senhor da carroça, não confundir com o senhor dos anéis, que naquela época nem em livro existia, se encarregava de levar tudo e entregar-lhes nessa parada de ônibus. O bendito ônibus ficou ali uns 30 minutos para se fazer a transferência de cargas. A única vantagem dessa parada foi que não fomos alertados para abaixar a cabeça. Dando continuação à viagem, as pessoas que voltavam das compras na cidade sempre se amontoavam na frente do ônibus para informar ao motorista do ponto exato onde queriam ser despejadas. A cada parada descia-se duas ou três pessoas, o motorista descia para abrir o porta-malas do ônibus e retirar as caixas de mantimentos. A medida que a viagem de estendia, as pessoas começavam a consumir as farofas preparadas para a viagem, ou os pães da padaria, as bolachas, e as crianças barrigudinhas se fartavam nas balas da cidade – era um show de simplicidade, outros diriam “um relaxo”. O calor era incessante e a janela aberta na minha posição de vantagem o aliviava bastante. Percorremos uns 30 quilômetros dessa maneira e pra minha surpresa o ônibus, que com tantas paradas havia deixado de ser “bendito ônibus”, deixou a estrada de asfalto e tomou uma paralela de cascalho. Nesse momento alguém já anunciou com voz de comandante de quartel – vamos a fechar as janela (singular) porque a poeira vai ser daquelas. Naquele momento, o ônibus, ganhou o nome final – o maldito ônibus. Ninguém disse para o comandante de quartel que a janela, a da minha posição onde eu me sentara, até então vantajosa, estava emperrada e logicamente não fechava. Mal entramos na estrada e passamos por um veiculo que vinha em sentido contrário. A poeira que naquele momento já ofuscava a visão passou a ofegar a respiração e insultar os brônquios. Usei a gola da camisa para cobrir o nariz e tentar filtrar um pouco do pó. Não enxergava quase nada, mas ouvia bem o comandante do quartel gritar – caralho quem não fechou as janela (singular)? Naquela altura só restada a angustia de esperar chegar próximo à minha parada para eu fazer como os outros, ir para a frente perto do motorista e pedir-lhe para descer daquele maldito ônibus. Me lembro que na época, eu não tinha câmera, computador nem existia, o sofrimento que reflito hoje era parte de cotidiano de tantos que nem engraçado era. Naquela viagem não haviam reflexos nem reflexões, havia poeira.
Já se passaram uns quarenta minutos de espera, e continuo a escrever e observar – viajei um pouco na viagem de Goiás, mas estou de volta. Tem uma gringa super curiosa sentada do meu lado, tenta ler o que eu estou escrevendo, até viro a tela para o lado um pouco e observo de canto de olho a cara dela – ela franze a sobrancelha e seus lábios soletram as minhas palavras – mas ela não entende patavina. Caramba, a versão do Word que estou usando não reconhece as palavras em inglês e acaba de sublinhar de vermelho a palavra gringa, e veio nossa primeira interação – me dê um minuto e já volto (a escrever) – passa-se alguns minuto. Voltei! Ela se chama Shanon e está indo de Austin para Beevertown, Oregon, quase tão longe quanto São Paulo, e em direções opostas. Estava em Austin para se matricular na universidade vai começar as aulas em agosto e já até alugou onde morar – para nós, brasileiros - cúmulo da antecipação – 6 meses adiantado - para ela, já estava atrasada e tinha medo de não achar um lugar para morar. Engraçado que já estive em Beevertown. Cidade da Intel, coisa de nerd, mas estive lá e visitei uma FAB, visitei também a fábrica da Nike e ela disse que morava perto – coincidência ou não, descobri isso tentando conversar e explicar suas perguntas. Vale a pena colocar em formato de dialogo o que conversamos:
What language is that?
Porkandcheese, respondi.
Pork what? Is that a language? Ooohh Portuguese. Why did’ya say that?
I Said Portuguese.
And where are you from? Portugal? Samoa?
(Wow – ela sabe 2 países que falam português! Fiquei espantado, como manezinho que estou me tornando, diria fiquei “inusitado”) I am from Brasil.
Oh Brazil, I thought Brazil was in South America.
(Escondendo a cara de desapontado) Oh, it is in S.A. but we do speak Portuguese. I am actually flying home today.
Where are you from? You don’t sound Texan. I asked.
I am from Beevertown.
(como se Beevertown fosse igual a NY-todos conhecessem). Oregon, Wow, you’re long ways from home.
You know Beevertown? I am impressed. Yes, I am here to make housing arrangements, I am going to grad school at UT in the fall.
I can only see GRINGA underlined? Why? Is that about me?
Oh no. I am just jotting down things about my trip – a blog or journal.
Trocamos algumas outras palavras e acabou a conversa interrompida pelos chiados que chamavam seu vôo para Denver.
Ok. They are starting to board. Have a Nice trip home.
(and she left - e ela se foi)
Meu vôo estava próximo e com a interrupção achei melhor fechar o micro e escrever depois. Era apenas a primeira perna de uma longa viagem e teria tempo de sobra para completar minhas reflexões. Pensava eu, mas só vim acabar estas frases já no Brasil, em casa e uma semana depois, e para não trair o sentimento do que seriam reflexões de uma viagem, dou por encerrada esta jornada.
Escrito dia 2/5/2010